Hoje,
o mundo conhece, via de regra, dois tipos de “migrações”. Uma carregada de dor,
outra de prazer. O problema é que a primeira é de mais e, a segunda, de
menos.
O
primeiro movimento diz respeito ao terreno pantanoso e as águas turbulentas das migrações
forçadas. O desenvolvimento desigual e combinado imposto pelo capitalismo,
gerou desigualdades regionais tão colossais que colocam uma grande massa social
em fuga frenética por medo do Estado islâmico, de Assad, da Al qaeda, do Boko
Haram, da fome, da peste, do desemprego, enfim de todo tipo de mazela
capitalista. Erguer barreiras à livre circulação de pessoas é bastante
emblemático de um tempo imerso na névoa sinistra do obscurantismo, da
intolerância e da ignorância, apesar de tantas invenções tecnológicas e
condições para se elevar o nível de consciência. Fluxos liberados mesmo são as
coisas, a saber, mercadorias e capitais. O mar mediterrâneo, estratégico para
uma globalização verdadeiramente solidária do porvir – por se localizar entre
três continentes - se transformou num
grande calvário para as populações africanas e asiáticas que tentam chegar a
Europa fugindo da guerra e do terror da miséria implantados em seus continentes
pelos colonizadores e imperialistas ocidentais. Não sendo um entrave
suficiente, os fascistas já estão erguendo cercas para conter o avanço dos
“novos bárbaros”, estes “seres inferiores”, que pretendem, conforme alguns
europeus, avançar sobre Berlim, Paris,
Londres... e “roubar” não apenas empregos, mas o status quo e promover uma
islamização na terra dos entusiastas da suástica. É a maior onda imigratória
desde a segunda grande guerra, com potencial para ser uma diáspora sem
precedentes.
O
segundo tipo de movimento migratório é o do prazer. Existe para a maioria dos
humanos apenas como uma potencialidade. Quase todas as pessoas que migram o
fazem por medo e/ou sofrimento, quando deveria ser por prazer e fruição de tudo
que é belo e gostoso na face da Terra.
Viajar - longe de qualquer consumismo pernicioso - é uma das formas mais sábias de uso do
espaço-tempo devido aos prazeres inscritos na contemplação da paisagem, na
exploração dos costumes e da culinária, bem como no mergulho nos meandros
incríveis dos lugares deste planeta. Viajar ficou ainda mais imperativo se
considerarmos nosso alucinante ganho de velocidade: andávamos a 16 km/h num
barco a vela no longínquo 1500, hoje passeamos a 1100km/h num avião ou
trem-bala. Não dá nem preguiça. Mas, e as condições materiais para isso? Estudos
recentes mostram que, em face do avanço tecnológico e da ampliação da
produtividade média, nada justifica uma jornada de trabalho semanal superior a
10 horas. Reduzir a jornada sem reduzir salários significaria mais tempo livre
para a satisfação pessoal em atividades culturais, esportivas, de lazer e
...para viajar.
Para
o “movimento migratório do sofrimento”, parte da solução é atacar a origem do problema: os europeus poderiam começar a pagar a dívida monumental que tem
em relação aos asiáticos, aos latino-americanos e, sobretudo, aos africanos. Ou
não se lembram mais do ouro e toda sorte de riquezas minerais e matérias-primas
roubadas nestes continentes? Para a África, a mudança tem que ser estrutural,
mas um bom começo poderia ser assim: aumentem o número de refeições ao invés de
munições; ampliem as doses de remédios no lugar de bombardeios; mais flores e
luzes e menos armas e breus.... Contudo, os europeus, devem receber quem quiser
entrar, agora os refugiados estão desorganizados e mansos, mas um dia poderão
cobrar a dívida de forma menos diplomática.
Para
intensificar a “migração do prazer”, a solução é também semelhante: a partilha
da materialidade erguida por bilhões de braços espoliados, esfomeados e
massacrados pela tirania do capital. Abaixo o império da exploração e da
opressão, porque coisas podem ser imobilizadas, fixadas no chão. Humanos não
podem, são soltos, voam no infinito, são dotados do livre arbítrio e podem
fluir, num movimento anárquico de realização das possibilidades que o desenvolvimento
das forças produtivas geram.
Não
faz sentido algum a existência de legislações que limitam o movimento de seres humanos.
Movimentar para qualquer direção, em qualquer sentido, é um direito humano. A
liberdade primordial é a liberdade do movimento, nos ensina Paul Virilio. O ato
de espacializar é uma prerrogativa básica das sociedades, uma condição humana.
A “migração do prazer” para poucos e a “migração do sofrimento” para muitos,
são expressões contraditórias de uma mesma forma capitalista de organizar a
vida (e a morte). O triunfo da “migração do prazer”, isto é, sua efetivação
para amplas parcelas da sociedade global ressuscitaria um vestígio de amor no
mundo. Seremos melhores quando um rio, um mar, enfim, uma fronteira servir para
aproximar e não para segregar.
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